A Constituição da República traz, como objetivo fundamental, promover o bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação. Além disso, garante a todos a igualdade, a qual exige que o ordenamento seja capaz de garantir, não apenas formalmente, um tratamento isonômico. Para isso, muitas vezes é necessário conceder uma certa proteção jurídica a determinados setores sociais, para que, no mundo empírico, vislumbre-se uma igualdade que é denegada pelas condições físicas, psíquicas, sociais ou circunstanciais. Nessa senda, a proteção à pessoa com deficiência é medida que se impõe.
Além desse aspecto mais genérico da proteção constitucional, aplicável, sem dúvida, à pessoa com deficiência, a Constituição da República passou a contar com normas específicas acerca da matéria. De fato, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York) foi aprovada pelo Congresso Nacional nos moldes do §3º do art. 5º da CRFB. Por isso, suas disposições equivalem à emenda constitucional. Portanto, as disposições da convenção são formal e materialmente constitucionais.
A pessoa com deficiência é aquela que possui impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 2º da Lei 13.146/2015).
Esses impedimentos devem ser levados em consideração para a elaboração da legislação trabalhista, para que essas pessoas possam desfrutar do direito fundamental ao trabalho. De fato, dispõe o artigo 27 da Convenção de Nova York (integrado à Constituição da República):
Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros:
Buscando promover, o acesso da pessoa com deficiência ao mercado de trabalho, a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 93, determina que a empresa com 100 ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, em proporção conforme o número total de empregados.
A legislação trata da empresa, não do estabelecimento. Não é cada estabelecimento que tem que cumprir a meta, mas sim toda a empresa. O cálculo deve ser feito com base na quantidade total de empregados.
Trata-se de disposição justa, visto que a empresa pode alocar as pessoas com deficiência em estabelecimentos específicos, adaptados às condições delas. Por outro lado, ela pode não ter nenhuma pessoa com deficiência em estabelecimentos cuja adaptação seja difícil ou inviável. O importante é garantir o acesso dessas pessoas ao mercado de trabalho, na proporcionalidade fixada na lei para toda a empresa.
O descumprimento da cota de pessoas com deficiência pode viabilizar a atuação do Ministério Público do Trabalho, dos sindicatos ou de outros legitimados a promover a defesa dos interesses dessas pessoas. É possível uma ação judicial coletiva visando a fazer cumprir a cota. Além disso, entende-se cabível o pedido de indenização por danos morais coletivos, tendo em vista a ofensa a direitos sociais difusos, porquanto a violação atenta contra objetivo fundamental da República e contra bens jurídicos específicos protegidos pela ordem constitucional.
Nada obstante, já decidiu o C. TST que não há ilicitude caso a empresa demonstre ter lançado mão de todos os meios ao seu alcance para preencher a quota, disponibilizando as vagas e, efetivamente, esforçado-se para cumprir a legislação. Para tanto, deve demonstrar que comunicou a existência de vagas no SINE (Ministério da Economia), na internet, em jornais, nas APAEs, etc.
Além da previsão do número mínimo de empregados com deficiência, a legislação traz outra proteção: a dispensa imotivada de pessoa com deficiência somente poderá ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social (art. 93, §1º, da Lei 8.212/91).
Essa disposição é fruto de alguma controvérsia quanto ao real alcance. Discute-se se existe uma garantia de emprego do empregado com deficiência. A resposta a essa pergunta depende das circunstâncias. De fato, a norma do parágrafo primeiro, como é cediço, deve ser lida em conjunto com o caput, como um reforço à sua disposição. Destarte, em uma leitura sistemática, pode-se chegar às conclusões que se passa a expor.
Em primeiro lugar, caso a empresa não tenha preenchido a quota de empregados com deficiência, entende-se que ela não pode despedir nenhum empregado com essa qualidade, sem justa causa. De fato, o art. 93, caput, da Lei 8.213/91 impõe uma obrigação de fazer inescusável: preencher de 2 a 5% do quadro empresarial com pessoas com deficiência. Trata-se de limitação expressa e inequívoca ao poder organizacional do empreendedor, a qual abrange a restrição à resilição contratual (despedida sem justa causa).
Nesse primeiro caso, nem mesmo se a empresa contratar outro funcionário estará a salvo da ilicitude cometida. A reclamada não pode permanecer, voluntariamente, na posição de ilegalidade. Logo, ao poder público (incluindo o Judiciário) cabe garantir o efetivo cumprimento da legislação, que assegura o percentual mínimo de empregos às pessoas com deficiência.
Não cumprida a quota, a orientação empresarial deve ser no sentido de realizar novas contratações, sem a dispensa de outro empregado. Quem não cumpre a quota não possui, portanto, o direito potestativo de resilir contratos de trabalho de pessoas com deficiência.
Aponte-se que, havendo motivo justificado (resolução contratual), não há empecilho à demissão, inclusive sem reposição.
Em segundo lugar, se a empresa cumpre a quota com sobras, não se aplica o §1º do artigo 93 da Lei 8.212/91. De fato, nesse caso, a dispensa da pessoa com deficiência não coloca a empresa em situação de ilegalidade. Assim, se a dispensa sem justa causa não representar redução do número de empregados para aquém do mínimo legal, não há a necessidade de se contratar outra pessoa nas mesmas condições.
Embora se possa retirar, da literalidade do dispositivo, interpretação diversa, a solução exposta parece ser a melhor, inclusive no âmbito da proteção das pessoas com deficiência. De fato, impedir o exercício do direito potestativo do empregador nesses casos poderia ter, como consequência, que as empresas se orientassem a manter apenas o mínimo legal de pessoas dessa condição. Afinal, se contratassem além desse número, ficariam proibidas de, posteriormente, reduzir seu quadro de funcionários.
Evidentemente, o que exposto não impede a alegação de discriminação, tampouco legaliza tal prática. Havendo demonstração de que a despedida da pessoa com deficiência foi discriminatória, a proteção contra o ato é medida que se impõe, independentemente de preenchimento da quota legal, nos moldes da lei n. 9.029/95 e do artigo 27, 1, “a”, da Convenção de Nova York.
Assim, para a segunda hipótese, o §1º do artigo 93 deve ser entendido como um reforço ao disposto no caput. Ou seja, trata-se de uma garantia para cumprimento da quota, não um benefício individual para cada pessoa com deficiência contratada.
Em terceiro lugar, deve-se reconhecer que a empresa que não está obrigada a preencher a quota de pessoas com deficiência (menos de 100 empregados) também não sofre a restrição do §1º do artigo 93 da Lei 8.213/91. Podem, destarte, resilir contratos sem a admissão de substitutos.
Em quarto lugar, tem-se a situação da empresa que cumpre estritamente a cota legal. Nesse caso, a eficácia da despedida da pessoa com deficiência dependerá da contratação de outra dessa condição, ou de reabilitado perante a previdência. É para essa hipótese que se aplica o art. 93, §1º, em sua interpretação literal.
Verificada a ilicitude da despedida, a pessoa com deficiência poderá pedir a reintegração, com a indenização equivalente aos salários do período de afastamento.
Caso, entre o afastamento e a decisão de reintegração, a empresa já houver contratado outra(s) pessoa(s) com deficiência, de modo a cumprir a quota, subsistirá apenas o direito à indenização, calculada até a data em que a empresa adequou-se à legislação. Nesse caso, será indevida a reintegração.
Tratando-se, lado outro, de despedida reconhecidamente discriminatória, a pessoa com deficiência poderá requerer, independentemente do preenchimento da quota, a reintegração (com indenização do período de afastamento) ou a indenização em dobro da remuneração do período de afastamento (art. 4º da Lei 9.029/95).
Por fim, cumpre informar que, na vigência do estado de calamidade pública decorrente da COVID-19 (Decreto Legislativo nº 6 de 2020), nenhuma pessoa com deficiência poderá ter seu contrato extinto sem justo motivo, por iniciativa do empregador, independentemente do porte da empresa. Essa proibição, prevista na Lei 14.020/2020, prevalece a partir de 7 de julho de 2020 e também independe do cumprimento ou não da cota legal.