É cediço que o momento pandêmico atual, decorrente da proliferação do COVID-19, merece acentuada reflexão, notadamente da situação específica dos profissionais da saúde.
Os profissionais da saúde estão passando por um momento extremamente delicado neste momento de pandemia, haja vista o altíssimo índice de contaminação pela COVID-19.
Não obstante estejamos vivendo em uma situação particular, com decretação de pandemia pela OMS, não podemos descurar da necessidade de dar adequada proteção social para os profissionais da saúde.
Os profissionais da saúde que trabalham em ambiente hospitalares ou equiparados e necessitarem se afastar do trabalho por diagnóstico positivo de COVID-19 serão afastados por acidente do trabalho/equiparado ou por doença comum?
Pois bem.
O art. 29 da Medida Provisória 927/20 estabeleceu que os casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação de nexo causal.
Na ADI 6342 em que se discutia a inconstitucionalidade de vários dispositivos da MP 927/20, o Min. Marco Aurélio indeferiu o pedido liminar formulado, submetendo sua decisão ao referendo do Plenário. Na sequência, o Plenário referendou parcialmente a decisão do Min. Marco Aurélio, mas suspendeu os efeitos do art. 29 da MP 927/20, por maioria. Recentemente, contudo, a ADI foi extinta, por perda do objeto.
A MP 927/20 não foi convertida em lei, razão pela qual teve seu prazo de vigência encerrado em 19/07/2020, por Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional n.o 92/2020.
É certo que a contaminação pela COVID-19 pode se dar em qualquer lugar, inclusive fora do ambiente laboral.
Contudo, no caso específico dos profissionais da saúde, eventual afastamento por COVID-19 deve ser configurado doença profissional, haja vista as condições especiais em que o trabalho é desenvolvido, com exposição acentuada ao risco biológico. Ou seja, em relação aos profissionais da saúde, dever-se-ia presumir o nexo, pois o trabalho é desenvolvido em ambiente com risco aumentado, intenso, cujos equipamentos de proteção normalmente fornecidos/utilizados são insuficientes para eliminação completa do possível risco.
O fato de estarmos num momento de pandemia não exclui, a priori, a possibilidade de doença profissional.
A natureza do trabalho em estabelecimentos de saúde afasta a exceção do art. 20, II, §1º, “d” da Lei 8.213/91, de modo que, havendo contaminação de profissionais da saúde, o afastamento deve se dar por doença profissional.
O Anexo II, do Regulamento da Previdência Social, elencas alguns agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho. Quanto ao risco biológico, considera-se patogênicos, no item “XXV”, subitem “7” as Mycobacteria, vírus; outros organismos responsáveis por doenças transmissíveis para trabalhos realizados em Hospital; laboratórios e outros ambientes envolvidos no tratamento de doenças transmissíveis.
Além disso, há os trabalhadores da saúde que desenvolvem suas atividades em “alas COVID” ou “UTI COVID”, o que reforça o nexo entre eventual contaminação e o trabalho.
Assim, eventual necessidade de concessão de benefício por afastamento temporário ou definitivo do trabalho deve ser acidentário, assim como eventual pensão por morte a ser concedida na hipótese de falecimento do trabalhador.
Na hipótese de concessão de benefício acidentário, após o retorno ao trabalho, o obreiro possui estabilidade de emprego, conforme reza o art. 118 da Lei 8.213/91, pelo prazo mínimo de doze meses, senão vejamos:
Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.
Assevere-se que, acaso a contaminação resulte em incapacidade permanente para o trabalho, ou seja, nas hipóteses em que houver quadros mais graves com sequelas permanentes, eventual aposentadoria por incapacidade permanente será de 100% da média aritmética simples, segundo §3º, do art. 26 da E.C. 103/2019.
Além disso, na hipótese de o falecido não possuir mais de 18 contribuições e/ou 2 anos de casamento ou união estável com o dependente, a pensão por morte não cessará em 4 meses, conforme alude o art. 77, §2º, inc. V, alínea “b”, da Lei 8.213/91. Isso porque, o §2º-A, do art. 77, da Lei 8.213/91 estabelece que, quando o óbito se der por acidente de qualquer natureza, doença profissional ou do trabalho, a exigência de 18 contribuições e 2 anos de casamento ou união estável é afastada.
Nem se olvide, também, as possíveis consequências no campo trabalhista, tal como estabilidade acidentária e indenizações de várias ordens (com base na teoria da responsabilidade objetiva do empregador) por redução/perda da capacidade laborativa e/ou morte.
Na seara previdenciária, a caracterização da contaminação como doença profissional ou trabalho não prescinde de culpa pelo empregador, sendo a responsabilidade objetiva do INSS.
Portanto, sem descurar da obrigação do empregador em manter todas as medidas sanitárias, bem como o fornecimento e orientação dos equipamentos de proteção necessários para diminuição do risco, isto não afasta a caracterização acidentária da contaminação dos profissionais da saúde, ante o risco aumentado e intenso da atividade. Eventual contraprova é ônus exclusivo do empregador.
Vitor Ferreira de Campos é advogado inscrito na OAB/PR 58.721 e especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Graduado em Direito pela mesma instituição. Coordenador de Área em Ciências Sociais Aplicadas na Cogna Educação, e sócio fundador do escritório “Vitor Ferreira de Campos – Sociedade Individual de Advocacia”, em Londrina, Paraná. Trabalha nas áreas de Planejamento Empresarial Familiar, Direito de Família, Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Colunista do Portal F5 Jurídico.
Bruno André Soares Betazza é advogado inscrito na OAB/PR 50.951 e especializado em Direito Previdenciário em Arapongas/PR. Sócio fundador do escritório Masquete e Betazza Advogados Associados. Graduado em Direito pela Unopar. Especialista em Direito do Estado pela UEL. Especialista em Direito Privado pela Escola da Magistratura do Paraná. Especialista em Direito Previdenciário pela UEL. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Foi Professor Universitário da Disciplina de Direito Previdenciário.