Carta aberta às Universidades

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Em 2011, de 1 a 3 de setembro, no antigo Hilton Hotel, Belém sediou, depois de 40 anos, um Congresso Internacional de Direito Romano, cujo tema foi “O Direito de Família, de Roma à atualidade”. Ano passado, em agosto, repetimos o mesmo evento no Teatro Maria Sylvia Nunes, mas com o tema “As Relações Comerciais: A contribuição de Roma à globalização contemporânea”. Em ambos, ao longo dos preparativos, muitos me chamavam de “maluco” e que o conclave seria um insucesso, porque o tema “Direito Romano” já estaria ultrapassado e não era cobrado em concursos públicos, nem na prova da OAB. A minha resposta? Auditório lotadíssimo, com alunos, advogados, magistrados, promotores, curiosos, etc, onde se percebia o brilho nos olhos de cada um ao longo das conferencias.

Nos meios acadêmicos é objeto de perguntas, dúvidas, pesquisas sobre a importância do estudo do Direito Romano na graduação do curso de direito. No mundo moderno, onde muitas das vezes a linguagem técnica é a voz corrente, diz-se que o estudo do Direito Romano não se faz mais necessário, não havendo razão de se sonhar com o retorno da disciplina à grade curricular obrigatória das graduações jurídicas. Mas, como diz o nosso Zeno, “só se é considerado jurista aquele que é romanista”. Algumas Instituições de Ensino Superior no Brasil mantém o Direito Romano como cadeira obrigatória no curso de direito, a exemplo da Faculdade 7 de Setembro (FA7) e a UFC, no Ceará, onde lecionou meu saudoso amigo Agerson Tabosa Pinto, um romanista emérito, bem como na UFRJ – onde leciona o grande amigo Francisco Amaral -, ambos amigos de Belém, amigos de Zeno Veloso, discípulos de Silvio Meira. A USP, inclusive, retornou com o mestrado e o doutorado em Direito Romano.

Criou-se uma ideia do estudo do Direito Romano, passando a acreditar-se que ele é complicado, complexo, tenebroso, e que é exclusividade de um gueto científico bem limitado, principalmente porque haveria a necessidade de saber falar, ler e escrever em latim. Ledo engano. O Direito Romano é tão atual como nunca e está presente no nosso mundo moderno, seja no Direito Privado, seja no Direito Público. Primeiro, que Direito Romano é uma abstração. Há o Direito Romano anterior a República (Realeza), que era um direito tão mal e tão torto; há o Direito Romano da República, o direito das magistraturas, a organização social, revestindo-se realmente na era mais interessante de se estudar; e há o Direito Romano posterior à República (Imperium), onde o poder voltou a se concentrar nas mãos do Imperador, até a morte de Justiniano. Segundo, que Roma influenciou o mundo ocidental, principalmente na área jurídica, e que o legislador, seja ditador ou democrata, sempre encontrará no Direito Romano uma norma que lhe convém. Daí percebe-se a importância de seu estudo como contributo naquilo que de mais importante os romanos nos ensinaram: A separação da lei (lex) do direito (ius). Não há justiça no caso concreto sem a separação deste binômio, visto que, ignorando alguns pensadores, o direito não se esgota na Constituição, tampouco na jurisprudência. Se assim o fosse, não haveria mais que se estudar absolutamente nada.

Nós, professores, temos que ter a consciência que o acadêmico de direito é um jurista em formação e o mesmo não pode ser tratado como um produto de uma indústria que só pensa em passar em concursos públicos e em provas de OAB. Um aluno é um bem precioso, tem que lhe dar cultura, conhecimento, sapiência e, isso, com toda a certeza, leva tempo. A graduação é o momento sacerdotal de criar-se um futuro jurista que saiba bem a vida do avô antes de se estudar o pai. Por isso, não vejo, sinceramente, como se ensinar qualquer aspecto em Direito Civil (espinha dorsal dos romanos) sem antes ensinar o que se fez em Roma. Não falo aqui da disciplina de História do Direito, mas sim de uma disciplina específica de Direito Romano I e II, como tínhamos há mais de 40 anos. Todos os institutos, todos os pensadores, toda a teoria, toda a criação está lá. Como se estuda Direito Marítimo sem falar na Lex Rhodia? Como se estudar o Direito de Família, sem se estudar o “patria potestas”? Como se estudar o próprio direito sem estudar a diferença entre o “jus civile” e o “jus gentium”? Estes são apenas alguns dos imensos exemplos que eu poderia aqui citar, em laudas e laudas.

Escrevi diversos artigos às quintas-feiras no jornal O Liberal, no Pará, que serviram para demonstrar o imenso legado dos romanos à civilização, na tentativa de sensibilizar as autoridades acadêmicas. O Direito Romano ainda vive e é clamado de volta às salas de aula. Jamais me esquecerei do olhar daqueles que estiveram nos nossos eventos, hipnotizados pela curiosidade e pela beleza romanística. Por isso, ainda há a esperança de que o Direito Romano retorne à grade curricular obrigatória dos cursos de direito, trazendo a possibilidade de que o aluno estude a gramática do pensamento e, sobretudo, que o conhecimento jurídico não mude a paisagem de acordo com o vento que sopra, como a areia das dunas. Fazer é fácil e não dói. Fica o meu apelo! Com a palavra, as universidades.. Roma locuta, causa finita est.

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