Com o objetivo de atenuar as consequências decorrentes da pandemia do Covid-19, foi proposta a criação de um regime emergencial, através do Projeto de Lei 1.179/20, apresentado pelo Senador Antônio Anastasia, a fim de preservar contratos, evitando uma judicialização em escala, dada a projeção mundial da pandemia. O projeto teve participação da relatora Simone Tebet, do poder judiciário e diversos professores do Direito Privado.
Se o cenário, antes mesmo desta pandemia, apresentava uma judicialização em massa na Justiça Brasileira, com superlotação de Tribunais, a realidade após a estabilização da pandemia será incalculável.
Inegável que isso afetou diretamente as relações contratuais, que antes caminhavam com normalidade, mas que foram prejudicadas pelas infinitas razões as quais as partes, de alguma forma, sofreram ou perderam durante a pandemia.
Por óbvio ainda não podemos calcular com precisão exata a quantidade de relações contratuais afetadas, porém, certo é que a solução encontrada será acionar para apreciação dos Tribunais, tendo em vista a nova realidade, vez que a pandemia já nos possibilita ver enormes prejuízos à economia.
O Projeto de Lei 1.179/2020, ao qual ainda aguarda sanção presidencial, institui normas de caráter transitório e emergencial das relações jurídicas de Direito Privado, no período da pandemia do Covid-19.
Neste momento, o exame do projeto fica restrito ao seu Capítulo V, que compreende apenas o artigo 8º, que ganhou ainda mais destaque no atual cenário.
O artigo 8º do PL 1.179/2020 institui que:
Art. 8º Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.
Consoante estampado no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
O artigo 8º do PL 1.179/2020 busca a interrupção até 30 de outubro de 2020 da vigência do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, para situações em que há entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. Por óbvio, o Projeto de Lei não retira direitos, no entanto, busca resguardar os direitos e necessidades do consumidor, em tempos de crise.
O direito de arrependimento imotivado, disposto no Código de Defesa do Consumidor, como bem pontua Flávio Tartuce:
Esse direito de arrependimento, relativo ao prazo de reflexão de sete dias, constitui um direito potestativo colocado à disposição do consumidor, contrapondo-se a um estado de sujeição existente contra o fornecedor ou prestador. Como se trata do exercício de um direito legítimo, não há a necessidade de qualquer justificativa, não surgindo da sua atuação regular qualquer direito de indenização por perdas e danos a favor da outra parte. Como decorrência lógica de tais constatações, não se pode falar também em incidência de multa pelo exercício, o que contraria a própria concepção do sistema de proteção ao consumidor.[1]
Humberto Theodoro Junior pontifica o direito de arrependimento como:
O direito de arrependimento, segundo o Código, pode ser exercido sem qualquer justificativa acerca do motivo pelo qual o consumidor desistiu da compra. Trata-se de verdadeira denúncia vazia. A única exigência é que o contrato tenha sido concluído fora do estabelecimento comercial.
Muito embora a modalidade negocial da venda fora do estabelecimento comercial tenha trazido agilidade e praticidade às relações de consumo, esta, em contrapartida, evidencia ainda mais a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
Evidente que o período de 7 dias para desistência deste contrato, sem qualquer encargo, pressupõe a possibilidade de reflexão para teste e contato com o produto, para posterior confirmação da compra.
Assim, o Projeto de Lei 1.179/20 surgiu justamente para regular as relações de consumo que foram bruscamente afetadas pela pandemia mundial do Covid-19. Nesse cenário, medidas transitórias consideram-se essenciais para atenuar as consequências socioeconômicas decorrentes desta pandemia. Isso porque, a vulnerabilidade aqui tratada, após a estabilização desta pandemia, afetará a todos (fornecedores e consumidores).
Fundamental pontuar que o direito do consumidor de desistir do produto caso apresente algum defeito, segue vigente. A alteração que trata o projeto de lei acerca do direito de arrependimento, propõe a suspensão do prazo para compra de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos.
Essa proposta emergencial vem sendo discutida e analisada nas últimas semanas, porém vale lembrar que o texto original sofreu supressões em relação ao projeto já aprovado no Senado, além de alterações pontuais realizadas pela relatora do projeto, a senadora Simone Tebet. Hoje, o projeto aguarda sanção presidencial.
No entanto, a mitigação até 30 de outubro de 2020, para congelamento do direito de arrependimento de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos, vem para equilibrar as relações pactuadas no período de pandemia, a fim de evitar uma crise financeira estendida a todas as partes envolvidas, visto que o fornecedor se torna tão vulnerável quanto o consumidor, mantendo ou restabelecendo o equilíbrio das relações de consumo.
Analisando o atual cenário, por certo que, em tempos de crise, medidas emergenciais como esta podem refletir na manutenção e continuidade de atividades econômicas, desenvolvidas pelos fornecedores, que foram afetadas diretamente pelos reflexos da pandemia do Covid-19, principalmente quando falamos de pequenas e médias empresas.
São medidas pontuais, aplicadas ao Direito do Consumidor, mas que merecem destaque pela interferência no direito de arrependimento consagrado no art. 49 do CDC, mas que geram impactos significativos para reequilibrar as relações jurídicas, minimizando prejuízos e perdas, tanto de consumidores como de fornecedores.
Vitor Ferreira de Campos é Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), e graduado em Direito pela mesma instituição. Coordenador de Área em Ciências Sociais Aplicadas na Cogna Educação, e advogado sócio fundador do escritório “Vitor Ferreira de Campos – Sociedade Individual de Advocacia”, em Londrina, Paraná. Trabalha nas áreas de Planejamento Empresarial Familiar, Direito de Família, Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Colunista do Portal F5 Jurídico.
Marluce Viale, formada em Direito pela Universidade Norte do Parará e Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina. Possui MBA em Liderança e Gestão de Pessoas na Universidade Norte do Paraná. Foi Coordenadora do Núcleo de Proteção e Defesa do Consumidor de Rolândia/PR.
[1] Flávio, TARTUCE. Manual de Direito do Consumidor – Direito Material e Processual – Vol. Único. Grupo GEN, 02/2020