O Greenwashing como atuação concorrencial antiética

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O aumento do mercado consumidor de produtos sustentáveis no Brasil indica para as marcas que os valores ambientais estão, cada vez mais, sendo considerados no momento da escolha dos produtos.

Entretanto para atuar neste segmento, muitas empresas recorrem a prática de marketing denominada de greenwashing, que busca, através de mensagens, símbolos ou informes publicitários, indicar um apelo ecológico o qual o produto ou serviço não possui.

Neste cenário, em que não há regulamentação específica para o uso das autodeclarações ecológicas, busca-se responder se o greenwashing poderia ser passível de tutela pelo Direito Concorrencial.

 

2 A ÉTICA E A DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA

 

A livre concorrência está prevista no artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal, como um dos princípios da ordem econômica, sempre correlacionada com o princípio da livre iniciativa, e pode ser entendido como “a competição entre os agentes econômicos, de um lado, e a liberdade de escolha dos consumidores, de outro, produzirão os melhores resultados sociais: qualidade dos bens e serviços e preço justo.” (BARROSO, 2001, p.195)

A competição neste mercado é limitada pela própria legislação que em vários diplomas legais veda comportamentos empresariais considerados anticoncorrênciais, como por exemplo a Lei 12.529/2001, que estruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e instituiu infração prejudicar a livre concorrênci, como também pela Constituição Federal, a qual impede o abuso do poder econômico.

Entretanto, somente a legislação não é capaz de regular toda forma de prática anticoncorrencial, atualmente se exige uma atuação empresarial ética, pautada na integridade, refletindo em suas ações e decisões os valores adotados pela instituição.

Portanto não basta que os valores éticos da empresa estejam apenas em seus documentos, eles devem ser aplicados por quem de fato toma as decisões:

 

“A convicção ética do executivo para a tomada de ações mercadológicas moralmente corretas e legalmente amparadas será de fundamental importância para que a atuação lucrativa da empresa não seja obtida à custa de uma avalanche de processos e punições governamentais.” (MARKON, 2008, p. 27)

 

As empresas podem se utilizar de diversas ferramentas e estratégias para competir no mercado, sendo uma delas o uso do marketing, que além de informar sobre produtos e serviços, pode posicionar a empresa em determinados públicos e valores, o que é plenamente lícito.

Por outro lado, ainda que se use um meio lícito de concorrência, se o mesmo vêm a ser empregado com intuito ou resultado desonesto, certamente tal conduta poderá ser considerada prática anticorrencial.

Neste contexto, não há que se considerar como um bom resultado o domínio ou expansão do mercado, as custas de meios concorrenciais antiéticos ou ilícitos, pois tal conduta pode gerar punições e danos à imagem da empresa.

 

3 O GREENWASHING COMO PUBLICIDADE ENGANOSA E ABUSIVA

 

O greenwashing é conceituado como “a prática empresarial de manipular informações para passar ao público uma imagem ecologicamente responsável”. (IDEC, 2019, p.6).

Os doutrinadores, de forma pacífica, entendem que o greenwashing é passível de reprimenda perante vários dispositivos do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990. Umas das possibilidades mais ressaltadas pela doutrina é o enquadramento em publicidade abusiva ou enganosa, prevista nos artigos 6º, IV e 37 e parágrafos do referido diploma legal.

Isto porque o greenwashing é uma comunicação, inteira ou parcialmente falsa, capaz de induzir o consumidor em erro sobre características, qualidades, entre outros dados do produto, o que configura afronta aos ditames do §1º do artigo 37 do CDC, que conceitua a publicidade enganosa (BRASIL, 1990).

Pode-se citar como exemplo desta prática o caso dos motores à diesel da Volkswagem, ocorrido em 2015, que apesar de anunciados como “diesel limpo”, acabavam por poluir acima dos limites permitidos. Em que pese a descoberta da fraude ter ocorrido no Estados Unidos, a filial brasileira foi punida pelo Procon- SP, com aplicação de multa e obrigatoriedade de realizar o recall dos veículos, pois ao admitir que vendeu no pais veículos capazes de fraudar as vistorias de emissão de poluentes, entendeu-se que a conduta também se tratava de publicidade enganosa.

A prática também pode ser considerada publicidade abusiva à medida em que desrespeita valores ambientais, conforme dispõe o §2º, do mesmo artigo, pois o produto pode, contrariamente ao autodeclarado, causar danos ao meio ambiente (MÉO, 2017).

Pela prática de publicidade abusiva ou enganosa, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, as empresas são passíveis de punição na esfera civil, penal e administrativa. Essa modalidade de publicidade também é tratada pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, criado pelas entidades representativas do mercado brasileiro de publicidade, e que embasa a atuação do CONAR – Conselho de Autoregulamentação Publicitária (2008).

O referido documento estipula que toda publicidade deve ser honesta e verdadeira (art.1º), observando-se os princípios, entre outros, da respeitabilidade, da decência, da honestidade e, especialmente, da apresentação verdadeira. (BRASIL, 1980).

Entende-se que os princípios estabelecidos no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, por si só, bastariam para reprimir o greenwashing, entretanto, o documento tratou especificadamente do tema no parágrafo único da Seção 10, intitulado Poluição e Ecologia, na qual determina que a publicidade deve atender aos princípios da veracidade, exatidão, pertinência e relevância.

O descumprimento dos dispositivos do referido diploma pode gerar penalizações ao anunciante, ao editor, à agência de publicidade, bem como a suspensão da veiculação do anúncio.

Neste contexto, a prática do greenwashing além de antiética, é vedada, e passível de penalização.

 

4 O GREENWASHING E O DIREITO CONCORRENCIAL

Verificado que o greenwashing é uma forma de publicidade enganosa, seria a sua prática também um ilícito perante o Direito Concorrencial? É o que se passa a analisar.

O Brasil é signatário da Convenção da União de Paris, acordo internacional para a proteção dos direitos da propriedade industrial. Neste documento, o art. 10º bis

(2) estipula que “constitui concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial” bem como estabelece, no item 3 do mesmo artigo, que devem ser proibidos “todas as indicações ou alegações cuja utilização no exercício do comércio seja suscetível de induzir o público em erro sobre a natureza, o modo de fabricação características, possibilidade de utilização ou quantidade de mercadorias”. (BRASIL, 1992)

O próprio acordo, ainda no mesmo artigo, estabeleceu que cada país deveria propiciar os meios legais para repressão da concorrência desleal e, no Brasil, o tema é regulado pela Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996, também conhecida como Lei de Propriedade Industrial, que, em seu artigo 195, dispõe sobre os crimes de concorrência desleal.

Analisando o greenwashing em face do inciso III, do referido artigo 195, que dispõe sobre empregar meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem”, entende-se que é possível a configuração da prática delituosa. (BRASIL, 1996).

Isto porque o greenwashing se trata de meio antiético e fraudulento, para induzir em erro o consumidor, informando características e qualidades ligadas a sustentabilidade de produtos que não são comprováveis, com o único intuito de atrair este público.

Por fim, também é possível a reparação civil pela prática de concorrência desleal, conforme prescrevem os artigos 207 e 209 da Lei de Propriedade Industrial, sendo o primeiro aplicável para os crimes tipificados no artigo 195. Já o artigo 209 é aplicável para os atos de concorrência desleal que não configuram crime.

Esta hipótese será de responsabilização subjetiva, sendo necessário, além da perda de clientes, a comprovação da prática do greenwashing, como ato ilícito de concorrência desleal e o nexo causal consistente no aumento das vendas da empresa infratora.

Entretanto, talvez o dispositivo não seja de fato aplicado pela dificuldade de se comprovar a perda da clientela do fornecedor inocente para o fornecedor culpado.

Observa-se que o Direito Concorrencial possui, na Convenção da União de Paris e na Lei de Propriedade Industrial, arcabouço de normas aplicáveis para coibir a prática de greenwashing, apesar de serem de difícil aplicabilidade nesta hipótese.

Por outro lado, verifica-se que ambas normas se fundam na honestidade, que pode ser definida como as práticas empresariais éticas de participação no mercado.

 

5 CONCLUSÃO

 

Atualmente, verifica-se o aumento do público consumidor de produtos e serviços sustentáveis. Em contrapartida, muitas marcas, no intuito de atrair este público, lançam ao mercado produtos com falsas ou incomprováveis autodeclarações ecológicas, prática conhecida como greenwashing ou maquiagem verde.

Ao adotar o entendimento de que o greenwashing, se trata de publicidade enganosa ou abusiva, se entende que é possível a tutela também pelo Direito Concorrencial, ainda que seja de difícil comprovação os requisitos necessários para aplicação da legislação.

Observa-se que a prática da livre concorrência é necessária e salutar ao mercado e aos próprios consumidores. Entretanto, a prática concorrencial deve ser pautada por condutas éticas, sem utilização de meios fraudulentos para atrair consumidores.

Neste sentido, a mudança do perfil do consumidor, não deve justificar medidas antiéticas, tais quais o greenwashing, para manutenção da empresa do mercado.

Deve-se buscar, diante desta situação, o reposicionamento da marca, com produtos e serviços, e nos dias atuais também ações, que de fato reproduzam o que sua publicidade indica.

 

REFERÊNCIAS

 

BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Revista de direito administrativo, v. 226, p. 187-212, 2001.                                                                                   Disponível                                                                                           em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47240. Acesso em: 20 out. 2020.

 

 

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União,                        Brasília,                        11               set.                 1990.                    Disponível                            em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 20 out. 2020.

 

BRASIL. Decreto nº 635, de 21 de agosto de 1992. Promulga a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, revista em Estocolmo a 14 de julho de 1967. Diário Oficial da União, 25 ago. 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0635.htm. Acesso em: 20 out. 2020.

 

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União, 15 maio. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: 20 out. 2020.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de empresa. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.

 

CONSELHO NACIONAL DE AUTOREEGULAÇÃO PUBLICITÁRIA (CONAR).

Código Brasileiro De Autorregulação Publicitário. 18 fev. 2008. Disponivel em: http://www.conar.org.br/. Acesso em: 20 out 2020.

 

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (IDEC). A mentira verde

– A prática de greenwashing nos produtos de higiene, limpeza e utilidades domésticas no mercado brasileiro e suas relações com os consumidores. São Paulo: IDEC, jul. 2019. Disponivel em: https://idec.org.br/ferramenta/pesquisa-greenwashing. Acesso em: 20 out, 2020.

 

MARCON, Nickolas. A conduta ética na defesa da concorrência: bordagem sobre os valores morais entre executivos de uma grande empresa monopolista. 2008. Tese de Doutorado. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2008. Disponivel em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11033/Nickolas%20Mar con%20- 20A%20Conduta%20%c3%89tica%20na%20Defesa%20da%20Concorr%c3%aanci a%20.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 20 out. 2020.

 

MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro, Forense, 2017.

 

MÉO, Letícia Caroline. O Greenwashing como problema do sistema jurídico brasileiro de defesa do consumidor. 2017. Dissertação. (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://tede.pucsp.br/handle/handle/19727. Acesso em: 20 out. 2020.

 

SOARES, José Carlos Tinoco. Crimes contra a Propriedade Industrial e de Concorrência Desleal. São Paulo: Revista dos Tribunais 1980.

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