Recuperação Judicial e sua Repercussão no Direito e Processo do Trabalho.

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Como noticiado na imprensa, nesse período de pandemia, aumentaram os pedidos de recuperação judicial. O objetivo da recuperação é o de facilitar a superação da crise financeira do empreendimento de modo a preservá-lo, a fim de manter os empregos e o fornecimento de bens e serviços à população. Prestigia-se a função social da livre iniciativa, fundamento da República (art. 3º, IV) e da ordem econômica (art. 170).

Estão sujeitos à recuperação todos os créditos existentes na data do protocolo do pedido, ainda que não vencidos (art. 49 da Lei 11.101/2005, doravante LRJF). Os créditos trabalhistas não são excluídos da recuperação, embora gozem de “privilégios” quanto ao pagamento. De fato, o plano de recuperação judicial deverá prever o pagamento dos créditos trabalhistas da seguinte maneira, no mínimo:

a) quitação em até 30 dias dos créditos de natureza estritamente salarial, vencidos nos 3 meses anteriores ao pedido de recuperação judicial, até o limite de 5 salários-mínimos por trabalhador;

b) quitação em até 1 ano do restante dos créditos trabalhistas (de quaisquer naturezas) e acidentários.

Reforça-se que, mesmo quanto aos créditos trabalhistas, entram na recuperação (e, portanto, na regra acima delineada) apenas os débitos já constituídos na data do pedido. Consideram-se constituídos os direitos na época da prestação dos serviços. Pouco importa se a sentença condenatória foi proferida após o protocolo do pedido de recuperação. Nesse sentido, já decidiu o STJ (REsp 1721993).

Por outro lado, o trabalho realizado após o pedido de recuperação enseja créditos não sujeitos ao regime especial. Esses devem ser pagos nos prazos previstos na legislação trabalhista, sem alteração.

Em relação ao direito processual do trabalho, protocolizado o pedido de recuperação judicial, haverá a suspensão de (quase) todas as ações e execuções contra o devedor, pelo prazo de 180 dias. Quanto às reclamações trabalhistas, todavia, não há falar em suspensão durante a fase de conhecimento ou de liquidação. Com efeito, determina o artigo 6º, §2º, da LRJF que essas ações seguem na Justiça especializada até a apuração final do crédito, o qual será inscrito no quadro pelo valor determinado.

No curso dessa ação trabalhista, ciente do pedido de recuperação judicial, o Juiz do Trabalho poderá requer a reserva de crédito perante o juízo universal, da importância que entender devida ao reclamante (art. 6º, §3º, da LRJF).

Além disso, cumpre pontuar que o prazo de 180 dias para suspensão é impróprio, porque o STJ já decidiu que o juízo universal pode prorrogá-lo, não havendo direito ao prosseguimento das execuções individuais pelo simples decurso do prazo. A SBDI-2 do TST, igualmente, já decidiu dessa forma:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS. LEI Nº 11.101/2005. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO DEFERIDO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO TRABALHISTA. PRAZO. PRORROGAÇÃO. COMPETÊNCIA PARA PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. 1. Deferido o processamento ou aprovado o plano de recuperação judicial, não cabe o prosseguimento automático das execuções individuais, mesmo após decorrido o prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, de modo que, ao juízo trabalhista, fica vedada a alienação ou disponibilização de ativos da empresa executada. 2. As ações de natureza trabalhista, portanto, serão julgadas na Justiça do Trabalho até a apuração do respectivo crédito, cujo valor será determinado em sentença e, posteriormente, inscrito no quadro-geral de credores, a fim de que se concentrem no Juízo da Recuperação Judicial todas as decisões que afetem o patrimônio da recuperanda, para viabilizar a operacionalização do plano de recuperação. (…) (TST – RO: 200334320145200000, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 02/08/2016, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 05/08/2016)

Na Justiça do Trabalho, portanto, a suspensão ocorre apenas na fase de execução/cumprimento de sentença, não se limitando ao prazo de 180 dias. Assim, apurado o crédito, deve haver a expedição da respectiva certidão, competindo ao credor proceder à habilitação junto ao administrador judicial (IN 1/2013 do CSJT).

Não é lícito ao Juiz do Trabalho prosseguir com medidas de apreensão e expropriação de bens de pessoa sujeita ao plano de recuperação judicial. Mesmo no caso de processo trabalhista cujo crédito não está submetido à recuperação judicial (relativo a trabalho posterior ao pedido), remanesce a proibição de atos expropriatórios por parte da Justiça do Trabalho. O STJ tem posição prevalecente de que tais atos são da competência do Juízo universal, visto que a expropriação de ativos da empresa poderia atingir patrimônio essencial para o cumprimento do plano e para a preservação da empresa. Trata-se da inteligência do §3º do art. 49 da LRJF. O TST segue esse entendimento. Por tal razão, a Justiça Comum é o foro adequado para analisar a viabilidade de quaisquer atos expropriatórios, exercendo o controle sobre eles.

Quanto à possibilidade de liberação do depósito recursal, efetuado antes do pedido de recuperação, há divergência na jurisprudência. No TST, parece prevalecer a corrente que entende pela impossibilidade de liberação do valor, sem anuência do juízo universal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 13.467/2017. EXECUÇÃO. LIBERAÇÃO DE DEPÓSITO RECURSAL REALIZADO ANTERIORMENTE À DECRETAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. TRANSCENDÊNCIA. (…) A causa oferece transcendência política, uma vez que o eg. Tribunal Regional, ao suspender o envio dos depósitos recursais ao Juízo da Recuperação Judicial, e liberar em favor da reclamante os referidos valores por meio de alvará judicial, respeitando o limite de seu crédito, pois, anteriores ao deferimento da recuperação judicial, decidiu em contrariedade a jurisprudência do c. TST , no sentido de que todos os atos de execução referentes às reclamações trabalhistas cuja executada tenha a recuperação judicial declarada somente podem ser executados perante o Juízo Universal, ainda que o depósito constrição tenha ocorrido em momento anterior à mencionada declaração. Contudo, não demonstrada nenhuma das hipóteses do art. 896, § 2º, da CLT, não há como reformar o r. despacho agravado. Agravo de Instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. (TST – AIRR: 7540920165080009, Data de Julgamento: 18/06/2019, Data de Publicação: DEJT 21/06/2019)

Entende-se que tal entendimento está em harmonia com o tratamento igualitário que deve ser dispensado aos credores.

Por fim, cumpre pontuar que o pedido de recuperação judicial não impede que a Justiça do Trabalho, a pedido do credor, promova o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, visando à satisfação dos créditos trabalhistas pelos sócios, devedores subsidiários (Art. 10-A da CLT). O patrimônio destes, a princípio, não está sujeito ao plano de recuperação e à proibição de constrição, exceto se houver determinação em sentido contrário por parte do juízo universal.

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