Renda Brasil e as discussões acerca de uma renda mínima permanente

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No dia 8 de junho, o ministro da economia Paulo Guedes afirmou em uma entrevista sobre a intenção de criar uma renda mínima permanente após a pandemia do coronavírus. Uma espécie de aporte mensal feita pelo governo federal aumentando, dessa forma, o grau de assistência social brasileiro.1

Outro que defendeu o avanço dessa discussão foi o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que afirmou inclusive já haver um grupo de parlamentares analisando esse aspecto, verificando os programas existentes e, além disso, verificando as possíveis fontes de financiamento dessa política, o que é um tanto quanto mais complexo.2

É fato, portanto, que a crise econômica ocasionada pelo Covid-19 fez com que se tornasse evidente da grande maioria da população aquilo que os dados já mostravam a um tempo, ou seja, a grande quantidade de pessoas de baixa renda que sobrevivem de trabalho informal, sendo, dessa forma, os mais vulneráveis em meio ao ambiente econômico que vivemos atualmente.

De fato, a retomada do consumo será primordial para a retomada da economia como um todo e, transferir renda pode ser uma forma da economia “girar”. O problema passa a ser como viabilizar essa transferência. Entre as possíveis fontes de financiamento, estariam a redução dos subsídios tributários, uma possível repactuação das deduções do imposto de renda, além de modificações em salários de servidores.

Simplesmente a ampliação do auxílio emergencial de forma permanente não é uma boa ideia frente a realizadas situação fiscal brasileira. Não bastasse isso, é fato de que sem regras claras e objetivos definidos, o programa serviria somente para gerar distorções no mercado de trabalho com incentivos a informalidade.

Dessa forma, faz se importante que haja uma fórmula para que essas pessoas sejam estimuladas a ingressar no mercado de trabalho formal.

Por maior que seja a dificuldade se implementar tal programa de assistência, a proposta que tem mais agradado seria a do ministro Paulo Guedes, que não é uma assistência vinculada a primeira infância, mas sim uma unificação dos beneficiários do Bolsa Família com os elegíveis para receber o auxílio emergencial em um único programa, racionalizando, dessa forma. os gastos com assistência social. A proposta foi denominada de Renda Brasil.

Algumas experiências ocorreram na busca por uma renda básica, sendo a mais antiga e consolidada no estado norte americano do Alaska, onde o governador instituiu em 1980 uma lei prevendo 50% dos royalties do  petróleo  deveriam  ser  direcionados  ao  Fundo  Permanente  do  Alasca.

Esse fundo deveria fazer um pagamento anual a todos os habitantes do estado. De fato, os efeitos são impressionantes, em 1980, o Alasca era o estado norte-americano mais desigual, enquanto em 2016, havia se tornado o segundo mais igual.

O Irã foi o primeiro país a colocar em funcionamento uma renda básica de cidadania no ano de 2010. O modelo, também visa distribuir a riqueza da exploração petrolífera para a população. Já Macau tem uma economia com grandes lucros decorrentes do turismo e do jogo, o qual é legalizado desde 2001, e tem uma taxação considerável desde então. A partir da renda arrecada com a legalização do jogo, foi possível financiar a renda básica desde 2011.

Outras experiências de renda básica em menor escala aconteceram na Namíbia, em específico na vila Omitaraem 2008 e 2009; na Índia, no estado de Madhya Pradeshem 2010 e 2011. A Renda mínima incondicional também foi testada durante o ano de 2017 na Holanda, em específico na cidade de Utrecht e cidades vizinhas; além da Finlândia, cujo projeto aborda pessoas de diversas localidades. No Canadá, na província de Ontário, estudos preliminares foram iniciados em 2016, visando aplicação da renda básica nos próximos anos.

Já nos Estados Unidos, Richard Nixon defendeu a proposta de imposto negativo em sua reforma do aparato de seguridade social americana. A ideia foi rejeitada pelo congresso, mas aprovada em menor escala em 5 ocasiões distintas nos 20 anos seguintes. Por outro lado, na Índia, que aplicou programas similares em dezenas de vilarejos, os resultados apontaram uma melhora de 25% nos índices educacionais.

No Brasil, com debates produzidos desde os anos 70 abordando a renda básica, o caso de sucesso notável é o município de Maricá, o qual, implementou a renda básica e outras medidas complementares visando direcionar o desenvolvimento do município.

Cabe destacar ainda que, para muitos, o programa bolsa-família pode ser considerado o primeiro passo em direção a uma renda básica incondicional a todos os brasileiros. 3

É certo que a discussão somente esteja em seu início e não se saiba exatamente como será feita a proposta, porém é valido desde já entender um pouco sobre o que seria essa renda mínima permanente e quais suas implicações para a sociedade.

A discussão acerca de uma renda universal não é nova. Desde o surgimento da ideia de Renda Básica de Cidadania no século XV até os avanços mais recentes no século XXI houve diversos autores discutindo a ideia, sob diferentes conjunturas e perspectivas.

O humanista inglês Thomas More (1478 -1535) é considerado o criador do conceito de Renda Básica de Cidadania. Em seu livro denominado Utopia, nasceu o conceito de renda básica universal o autor expõe que todo ser humano deveria ter sua subsistência assegurada, porém, sem definir quem teria direito e se haveria qualquer contrapartida.

Com o avanço da teoria, outros autores deram significados diferentes podendo estas serem classificadas em duas vertentes. A primeira, Renda Básica de Cidadania incondicional, prevê que qualquer pessoa em uma dada sociedade tem direito a rendimento assegurado pelo Estado. Ou seja, não há a necessidade de qualquer contrapartida, sendo que o objetivo é o de garantir que o indivíduo tenha suas necessidades básicas asseguradas.

Autores, como George Douglas Howard Cole, James Edward Meade e Bertrand Russell, defendem a renda básica para todos os seres humanos sem qualquer necessidade de que haja uma justificativa para tal benefício.

Já o segundo, Renda Básica de Cidadania condicional, parte do princípio de que determinados grupos de pessoas têm direito a um determinado rendimento pelo governo, desde que se enquadrem em condições específicas. Também é comum a exigência de uma contrapartida para seguir recebendo a renda e, assim como no anterior, o objetivo é o de garantir que o indivíduo tenha suas necessidades básicas asseguradas.

Dentre as condições específicas, é comum que se tenha um determinado perfil socioeconômico, sexo específico, deficiências, além de outros fatores. Já com relação as contrapartidas, no aspecto geral, exigem-se que ocorra presença em cursos de capacitação, presença regular na escola ou trabalho. Esse tipo de benefício é o qual o Bolsa Família, por exemplo, se caracteriza.

Um dos autores a propor esse tipo de programa foi Charles Fourrier, que acreditava em um conceito de amplo de renda básica, não sendo este rendimento pago em dinheiro, mas sim em bens e comida, devendo ser oferecido a qualquer homem pobre interessado no benefício. Já Joseph Charlier, tendo se baseado nos conceitos anteriores de Fourier, inovou ao propor que o rendimento fosse fornecido pelo estado na forma de dinheiro e com uma frequência mensal. Por fim, outro destaque é John Stuart Mill, que embora não tenha inovado quanto a forma de renda básica, foi importante em divulgar a teoria de Fourier e a garantia da subsistência mínima.

Por fim, a discussão chega a América com Milton Friedman, sendo as teorias deste autor, as que se acredita ser a base que o ministro Paulo Guedes deseja usar para avançar com o programa. Em seu livro, intitulado “Capitalism and Freedom”, ele mantém a visão de que o capitalismo seria a forma mais eficiente em manter a liberdades dos indivíduos.4

Todavia, o autor destaca que há alguns parênteses no sistema, sendo um destes o grave problema da desigualdade e da pobreza. Sendo assim, propõe que esse problema seja corrigido por uma espécie de imposto de renda negativo, onde se estabeleceria uma faixa de renda mensal (ou anual) para cada família/pessoa. A ideia era seria substituir os múltiplos programas de bem-estar social existentes por uma única transferência de renda.

Dessa forma, as pessoas com rendimentos maiores que a faixa estabelecida pagariam o imposto de renda, enquanto as pessoas abaixo desse rendimento receberiam a renda básica, não pagando o imposto. Lembrando que, a proporção da renda que cada pessoa deveria pagar ou receber deveria ser fixada pelo governo.

Ele enfatizava a superioridade do imposto negativo frente aos demais programas, com base em princípios práticos. Ora, se o principal problema enfrentado pela população vulnerável seria a falta de dinheiro, nada mais eficiente do que dar dinheiro a eles. Sendo assim, não faria sentido em sua visão criar burocracias a fim de distribuir subsídios ou mesmo vales diversos para alimentação, creche, entre outros.

De fato, essa ideia nunca foi adotada, por conta da preocupação de que um benefício tão grande, a ponto de sustentar uma família, desestimularia as pessoas a trabalhar. De fato, há uma enorme preocupação de Milton Friedman quanto aos incentivos econômicos adversos. Ou seja, como seria possível melhorar a vida daqueles que estão desempregados, sem com isso desestimular essas pessoas a procurarem trabalho?

Uma das possibilidades seria a criação de programas de emprego subsidiado ou patrocinado, sendo estes pequenos demais para garantir o sustento continuado. Dessa forma, a maioria das pessoas de baixa renda continuariam a trabalhar para empresas do setor privado, tal como fazem hoje. Para o restante, o governo agiria como um empregador em último caso.

Embora Friedman não fosse adepto de qualquer avanço de burocracia, essa garantia de empregos de baixos salários não requereria nenhuma expansão burocrática, principalmente caso ocorresse a contratação de empresas privadas a fim de participar desses programas.

Todavia, devemos ter em mente a dificuldade em se avançar essas ideias diante de um déficit orçamentário ao qual passamos, criando-se, portanto, uma dúvida sobre a capacidade do estado em absorver esse programa. Essa resposta também foi proposta por Friedman em um artigo de 1943, denominado “The Spendings Tax as a Wartime Fiscal Measure”. A ideia seria um imposto progressivo sobre o consumo com sendo a melhor fonte de receita para atender questões sociais como essa.

De fato, acredito que uma taxação alta de consumo dos mais ricos, geraria receita para o estado com sacrifícios mínimos. Dessa forma, verifica-se que, sendo a segurança econômica de famílias de classes baixa e média algo importante para a sociedade, é possível se pensar em maneiras satisfatórias de se fechar essa conta.

Não é fácil fazer com que o dinheiro chegue de forma eficiente aqueles que mais precisam e isso é alvo de grande debate ao longo dos anos. Segundo o Portal da Transparência, os programas sociais pagos em 2019, à exceção do abono salarial, atingiram cerca de 10,65% da população brasileira.

Todavia, o IBGE, mostra que cerca de 52,5 milhões de pessoas, 25% da população, viviam em 2018 abaixo da linha da pobreza definida pelo Banco Mundial, com cerca de 435 reais mensais.5

Contudo, embora não se tenha uma ideia totalmente clara quanto a ideia do governo e ainda haja muito caminho pela frente, é inegável a dificuldade em se avançar com ideias nesse sentido, uma vez que deveria ser realizada uma modificação intensa em todo o sistema de proteção social nacional, o que, a meu ver, demanda um intenso jogo político.

Além disso, um passo importante que garantiria um estímulo eficiente quanto a esta política seria algo já exposto no artigo anterior dessa coluna, ou seja, uma reforma tributária que corrigisse as distorções sociais, tornando o sistema mais progressivo, o aproximando do proposto por Friedman.

 

1 PODER 306. Bolsa Família vai virar Renda Brasil e terá imposto negativo. Disponível em: https://www.poder360.com.br/economia/bolsa-familia-vai-virar-renda-brasil-e-tera-imposto-negativo/
2 AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. Maia defende a criação de uma renda mínima permanente após pandemia. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/668451-maia-defende-a-criacao-de-uma-renda-minima-permanente-apos-pandemia/
3 SUPLICY, E M. Closing Lecture at the XVI International Congress of BIEN,[S.l.: s.n.],2016.
5 BRASIL. Portal Da Transparência. Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov.br/
4 FRIEDMAN, M. Capitalism and Freedom. Chicago:University of Chicago Press, 1962.
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