*Fabricio Rebelo
O anúncio de que o ex-Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Alexandre de Moraes, seria o Ministro da Justiça do Governo Temer não foi, por assim dizer, muito bem recebido pela maior parte dos especialistas em segurança pública do país. Vinculado ao PSDB, sigla aderente à tese de que a criminalidade é consequência do meio social, e vindo do estado que acabara de adotar medidas para maquiagem dos registros criminais – como o cômputo dos homicídios pelas ocorrências, e não pelo número de vítimas -, Moraes parecia se alinhar à ideologia que predominou no ministério nas últimas décadas (com FHC e o PT), período em que os indicadores criminais só pioraram. A impressão, todavia, não se confirmou.
Efetivado no cargo, o Ministro prontamente adotou um discurso de racionalização da legislação sobre segurança, anunciando medidas que desagradaram em cheio os históricos – e inexplicáveis – parceiros do Ministério da Justiça, sobretudo as ONGs que, sob o rótulo de pacificadoras, ali exerciam grande influência. Em um de seus pronunciamentos mais contundentes, Moraes afirmou que, no combate ao crime, “o país precisa de mais armas e menos pesquisa”, desvelando uma crítica direta aos desarmamentistas ligados às ditas entidades, sobre os quais pôs em dúvida o título de “especialistas”, eis que nunca trabalharam com segurança pública.
A postura foi além do discurso, e o final do ano de 2016 concretizou, no campo da segurança, medidas objetivas que suplantam, com folga, toda a retórica ideológica que imperou na pasta nos últimos anos. O primeiro marco foi o Decreto nº 8.935, de 19 de dezembro, pelo qual foi ampliado, de três para cinco anos, o prazo de validade dos registros de arma de fogo, reivindicação antiga dos possuidores desses artefatos, que têm na necessidade de renovação do documento a maior ameaça à sua posse. Afinal, no Brasil, apesar do constitucionalmente consagrado direito de propriedade, comprar uma arma legalmente não faz do cidadão seu dono, é preciso estar com o registro em dia, e nada garante que ele seja renovado.
No dia seguinte, outra norma de grande impacto: o Decreto nº 8.938, permitindo que as armas apreendidas com criminosos sejam usadas pelas forças de segurança pública. A possibilidade, em verdade, já era prevista no próprio Estatuto do Desarmamento, em seu art. 25, mas, por opção ideológica do Poder Executivo, jamais foi admitida, prevalecendo a obrigatória destruição desse material. Um grandioso desperdício, diante da realidade das polícias, envoltas em um emaranhado de entraves burocráticos e financeiros, penando para obter equipamentos minimamente eficazes no enfrentamento com criminosos, armados com o que há de mais moderno e letal.
Já no dia 22 de dezembro, a novidade foi o Decreto nº 8.940/16, que recrudesceu substancialmente os requisitos para a concessão do indulto natalino, uma previsão constitucional (art. 84, XII) que, de faculdade do Presidente da República, virou regra e vinha sendo responsável por colocar em liberdade, indistintamente, presos condenados a penas baixas, sem qualquer vinculação com a natureza de seus crimes, pouco importando se violentos ou não. Com a mudança, essa essencial característica passou a ser considerada, e a concessão do indulto deriva da combinação entre a pena, a personalidade do apenado e a natureza do crime, deixando mais difícil a situação de criminosos reincidentes, nocivos e violentos.
As medidas são verdadeiramente emblemáticas. Elas sinalizam, ainda que timidamente, uma ruptura na concepção de que o sistema jurídico-penal é destinado, prioritariamente, à recuperação dos criminosos, uma visão romântica, consagrada com a Convenção Americana de Direitos Humanos, que parece proteger apenas quem viola a lei. As novas normas seguem uma compreensão mais técnica da segurança pública, na qual a prioridade é a proteção da sociedade.
As inovações normativas oriundas do Ministério da Justiça criam grande expectativa para as próximas medidas a serem ali adotadas, reforçando uma das demandas sociais mais recorrentes nesse segmento, que é a revogação do Estatuto do Desarmamento. Contudo, por se cuidar de uma lei, isso não é uma ação viável por ato unilateral do Poder Executivo, exigindo aprovação pelo Congresso – onde, nesse sentido, é avançada a tramitação do Projeto de Lei 3722/12.
Do Ministério da Justiça, seguindo a linha de racionalização, pode vir, aí sim, a correção de uma flagrante ilegalidade imposta a quem busca adquirir uma arma para autodefesa, pois, mesmo assim não prevendo predito estatuto, sua regulamentação atual remete à pasta expedir “orientações” para a análise das declarações de efetiva necessidade apresentadas por quem busca a aquisição de armamento, e, até hoje, a ordem que impera é pela negativa, multiplicando indeferimentos nas delegacias do Sinarm.
Se também corrigir essa verdadeira arbitrariedade, poder-se-á dizer que Alexandre de Moraes, independentemente dos desdobramentos de suas vindouras ações à frente da Justiça, ali já terá deixado um legado técnico primoroso para o país. Sigamos acompanhando.