Supercorrupção Carcerária

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* Fabricio Rebelo

A carnificina gerada pelo embate entre quadrilhas rivais em um presídio de Manaus aflorou acaloradas discussões a respeito das causas para as cerca de sessenta mortes naquelas instalações prisionais. Sob o império do politicamente correto, elegeu-se uma culpada primordial para o evento: a superpopulação carcerária. E, na mesma toada, seguiu-se a receita simplista para resolver o problema: prender menos. A mesma fórmula surgida como mágico elixir, há poucos anos, quando da rebelião no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, e certamente a que se reforçará a cada nova chacina na cadeia, como a já anunciada em Roraima – com mais 30 mortos. E também o mesmo erro.

Quem acompanhou as (fortes) imagens da rebelião manauara pôde nelas identificar a presença de artefatos que jamais poderiam estar dentro do presídio. Celulares circulavam livremente, inclusive registrando, como num documentário macabro, todos os atos dos ataques, com direito a decapitações e esquartejamentos. Além de celulares, armas de fogo eram comuns entre os presos, de pistolas a metralhadoras.

Ontem (05/01/17), uma reportagem da Globo News apontou que a situação era conhecida das autoridades prisionais. Um relatório do setor de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas registrou, no dia 31 de dezembro (um antes da rebelião), que havia um plano de fuga do complexo penitenciário palco das mortes, respaldado no armamento em poder dos presos. Uma metralhadora estava com um detento identificado como “Nigéria”, que também tinha consigo duas pistolas. Outras oito armas entraram no presídio na semana do Natal, levadas por visitantes e com a conivência de agentes prisionais.

O relatório reforça o que já é de pleno conhecimento de quem lida com a segurança pública no Brasil, descortinando que simplesmente não há um controle do Estado sobre os presídios. De lá de dentro, presos comandam organizações que atuam dentro e fora das instalações, seus chefes possuem regalias inconcebíveis e armas, inclusive de alto poder letal, não são problema. E tudo isso sob os olhos passivos – quando não coniventes – de quem deveria fiscalizar.

A questão é assaz complexa. Controlar rigidamente presos que exercem influência fora dos presídios é algo que exige um grande respaldo estatal a quem atua na linha de frente dessa atividade, pois, quando encerram seu trabalho nas cadeias, essas pessoas têm uma vida comum, na qual defender a si próprias ou a seus familiares pode ser uma tarefa intangível. Cenário perfeito para que sejam mais facilmente corrompidas, seja por ameaças, seja por vantagens financeiras sedutoras.

Diante dessa realidade, reduzir a discussão à quantidade de presos que hoje habita as cadeias chega a ser infantil. E conduzir o debate à tese de simples redução do encarceramento beira à insanidade. O caminho é outro.

Se é fato que superpopulações de detentos dificultam o controle dos presídios, a “supercorrupção” que neles impera é fator para isso determinante. É imprescindível se retomar o controle das cadeias, para o que não existe alternativa à construção de novas instalações, criando-se mais vagas e modernizando sua gestão – como, aliás, sinaliza o Ministério da Justiça, com a liberação de recursos para investimento no sistema prisional.

O que não se pode admitir é que criminosos simplesmente fiquem soltos pelo fato de não terem onde ser presos. Afinal, num quadro de segurança pública falida, com o cidadão cada vez mais acuado, se é para matar e morrer, que seja dentro das cadeias, local em que estão bandidos pagando pelos crimes que cometeram, e não do lado de fora, onde é a população que está morrendo sem qualquer pena.

 

Link: http://g1.globo.com/politica/noticia/relatorio-da-vespera-de-rebeliao-no-am-diz-que-preso-possuia-metralhadora.ghtml

Fabricio Rebelohttp://www.fabriciorebelo.com.br
Pesquisador em Segurança Pública, Bacharel em Direito, Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (CEPEDES) e Autor de "Articulando em Segurança: contrapontos ao desarmamento civil".

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